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Em setembro de 2018 a literatura de cordel foi reconhecida como patrimônio cultural imaterial brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Esse título reafirma a importância da tradição literária nordestina, que, apesar de possuir uma trajetória bastante peculiar, oscilando entre períodos de maior e menor representatividade, permanece viva até hoje e continua a ganhar mais espaço nos cenários cultural e educacional do Brasil, sendo, inclusive, objeto de estudo em escolas e universidades. Além de estar inserida nos meios mais letrados, a literatura de cordel também ganhou novos formatos ao ser adaptada para o cinema, a música, o teatro e para as histórias em quadrinhos.

Com origem no século XVI, o cordel chegou ao Brasil, mais especificamente na Bahia, juntamente com os colonizadores portugueses em meados do século XVII. Do primeiro contato, o gênero se espalhou e se popularizou pelo nordeste brasileiro de forma oral e, posteriormente, se adaptou ao cotidiano sertanejo, tornando-se uma das suas principais manifestações artísticas.

Para além do caráter artístico, num primeiro momento, o cordel adquiriu uma característica informativa, já que nos sertões longínquos de Pernambuco, da Bahia, do Ceará e de outros estados, as notícias chegavam antes em versos de cordel. Nesse contexto, pode-se dizer que, por algum tempo, o cordel nordestino era facilmente equiparado ao jornal impresso, fazendo do cordelista um jornalista do sertão. Os versos de Arievaldo Viana Lima no cordel Origens do cordel ilustram bem essa característica:

Quando ainda não havia
O rádio e a televisão
E os jornais não chegavam
Pra toda população
O folheto de CORDEL
Era o JORNAL DO SERTÃO.

Essa proximidade se dava pelos temas abordados nos cordéis, que narravam fatos verídicos como a chegada do homem à lua e as eleições presidenciais em uma linguagem acessível à população rural. Além dos temas mais factíveis e históricos, o cordel também pode ser meio de divulgar uma história fictícia. São exemplos desse segundo tipo de temática as histórias criadas pelo cordelista pioneiro Leandro Gomes de Barros e por poetas como Firmino Teixeira do Amaral, Gonçalo Ferreira da Silva, Rodolfo Coelho Cavalcante, Varneci Nascimento e tantos outros.

É importante destacar que, a princípio, esse tipo de divulgação literária era identificado apenas por folhetos. O termo cordel foi associado a essa manifestação artística pelo fato de ser exposto em feiras em cordões, que eram chamados de cordéis. Assim, em 1881, a publicação do Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa ou Dicionário Caldas Aulete, como também era conhecido, chancelou a utilização do termo cordel para esse tipo de texto literário.

Além dessa peculiaridade do nome, o cordel reúne outras características bem específicas como, por exemplo, a ilustração de capa feita em xilogravuras e a forma de versos e rimas utilizadas. O uso da xilogravura nas capas de cordel se iniciou na década de 1930. Antes disso, as capas eram compostas apenas pelo título e nome do autor, tendo incorporado, ao longo do tempo, a imagem, ao utilizar fotos de divulgação de filmes estrangeiros ou desenhos feitos pelos próprios poetas. Essa mudança de característica no decorrer do tempo também ocorreu com a forma dos versos, que inicialmente eram estruturados em quadras e depois de um tempo passou a ser utilizadas estrofes de dez, oito ou seis versos.

A riqueza desse tipo de literatura popular proporcionou a sua utilização em outros formatos de arte, assim como em outros espaços como as salas de aula de escolas e universidades.  A título de exemplo, é possível mencionar a utilização do cordel no cinema com o filme A luneta do tempo de Alceu Valença, lançado em 2014, e na música com as canções Lampião falou de Luiz Gonzaga, Pavão misterioso de Ednardo e Os números de Raul Seixas.

O uso didático do cordel ganhou mais notoriedade a partir da criação do Projeto Acorda Cordel na Sala de Aula, idealizado pelo cordelista Arievaldo Viana no ano de 2002. Com início singelo, o projeto atuava por meio de palestras em sala de aula para alunos, professores e arte-educadores que se interessavam pela temática. O primeiro passo para o reconhecimento do projeto se deu a partir da adesão da Secretaria de Educação, Cultura e Desporto de Canindé, que o adotou em aulas das turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) do município e financiou a produção e distribuição de uma caixa contendo 12 folhetos, que foi distribuída gratuitamente aos alunos concludentes do curso de alfabetização. Com os resultados provenientes dessa iniciativa sendo divulgados em eventos educacionais e literários, o projeto ganhou notoriedade nacional, sendo replicado em outros estados e ganhando nova roupagem editorial como forma de introduzi-lo na educação de crianças. Uma evidência desse sucesso é a adoção de obras em cordel no Plano Nacional do Livro Didático (PNLD literário).

Atualmente, o cordel se faz presente em documentos como a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017), que insere a aprendizagem do cordel como habilidades a serem desenvolvidas durante os anos iniciais do ensino fundamental, promovendo um contato precoce com a literatura popular. Assim, o cordel é apresentado como recurso para o desenvolvimento da habilidade de língua portuguesa que aponta a necessidade do aluno de aprender a “planejar e produzir, em colaboração com os colegas e com a ajuda do professor, (re)contagem de histórias, poemas e outros textos versificados (letras de canções, quadrinhas, cordel) [...]”. O cordel também é destaque em uma habilidade pertencente ao objeto de conhecimento “performance oral” a ser desenvolvida no 3º ano do ensino fundamental. Essa habilidade objetiva o desenvolvimento da capacidade do aluno de “recitar cordel e cantar repentes e emboladas, observando as rimas e obedecendo ao ritmo e à melodia”.

Compreendendo a importância que a literatura de cordel tem para a cultura popular nordestina e a necessidade de um espaço de divulgação da expressão, o projeto PROSEARTE apresenta nesta seção conteúdos sobre a história do cordel, as relações estabelecidas com outras linguagens como a xilogravura, os principais cordelistas e suas obras, bem como um seleção de cordéis que podem ser utilizados didaticamente em sala de aula. Também é objetivo deste trabalho disponibilizar um espaço para divulgação de artistas ainda pouco conhecidos pelo público.